quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Comentário da afirmação de SÉRVULO CORREIA.

Caros colegas e professores, aqui fica o nosso “humilde” comentário da afirmação de Sérvulo Correia:


O contencioso administrativo português, de facto, nunca se pôde caracterizar como auto-determinado, pois sempre seguiu tanto para o bem e como para o mal, as tendências e evoluções vindas da Europa, nomeadamente de França. Até nos atrevemos a considerar o Direito Administrativo como uma área insusceptível de uma verdadeira auto-determinação. Por toda a Europa os países foram acompanhando quase que a um ritmo pautado as mudanças que se geraram em França (que podemos considerar o “dínamo” da evolução do Contencioso Administrativo) com a Revolução Francesa. Desde então o Direito Administrativo dos demais ordenamentos jurídicos foi sendo sempre influenciado pelas escolhas francesas e sempre susceptível às mudanças que cada modelo de estado foi introduzindo. Excepção foi o que sucedeu com o Reino Unido, que se afastou da orientação europeia, mas para não fugir muito à regra acabou por se aproximar do modelo francês, que tão virtuosamente tinha evitado. Contudo, Portugal foi um país no qual sempre se sentiram muito vincadamente as marcas das escolhas do legislador francês. Logo em 1832, com as Leis de Mouzinho da Silveira isto se torna claro, tendo as mesmas traduzido para o sistema português as características do sistema francês, que o nosso Professor tradicionalmente apelida de “traumas de infância do contencioso”.

De igual modo concordamos com o autor em considerar que é agora que se sentirão as mais marcadas influencias de sistemas estrangeiros no Contencioso Administrativo nacional, e será agora mais do que nunca que este será determinado por uma orientação outra que a interna. Com o advento do estado pós-social o contencioso dos vários países entra numa fase em que se caracteriza como um contencioso pleno, com plenos poderes face a administração e esta se coloca ao serviço dos particulares. Esta fase que o nosso Professor denomina de “crisma” ou “confirmação”, caracterizou-se por duas fases, a primeira, a constitucionalização, que ocorre a partir da década de 60 na maior parte dos países europeus, e uma segunda fase, que é a que importa agora aprofundar, que é a da europeização.

Como já Otto Bachof em 1972 preconizava, não poderiam haver sistemas dissimilares e incompatíveis, sob um sistema europeu, distinto de todos eles. A partir da década de 80, de um ponto de vista externo às ordens nacionais, tem-se assistido a um aumento dos fenómenos jurídico-administrativos nas organizações internacionais, nomeadamente na União Europeia. Esta (que é uma pessoa jurídica distinta dos estados membros que a compõem) cria uma ordem administrativa própria, que tem reflexo nas ordens internas. Este direito administrativo comunitário interpenetra-se com as ordens jurídicas nacionais, entranhando-se até nas normas jurídicas internas dos ordenamentos nacionais, assim procedendo a uma conformação do sistema administrativo. Como tal, e visto que esta mudança se verifica em todos os países da União, verifica-se uma harmonização normativa. Mesmo em matérias classicamente tratadas pelo legislador nacional, ele deve abrir a “tradicional característica de exclusividade para assumir a bem diversa conotação de soberania condividida” (Chiti/Greco), e assumir a convergência das legislações e a miscigenação da legislação europeia com a nacional. O que ficou dito verifica-se de tal maneira que até se poderá falar numa dependência dupla entre o Direito Administrativo e o direito europeu. Se por um lado o direito europeu se realiza pelo Direito Administrativo - são as normas de cada estado que concretizam o estabelecido pelo direito europeu - e se por outro lado o Direito Administrativo é direito europeu, quer pelas fontes europeias de que os sistemas nacionais se vão progressivamente imbuindo, quer até pela convergência entre as legislações dos estados membros e pela prolífica jurisprudência europeia que emana do Tribunal Europeu que tem reflexo no Direito Administrativo nacional, desembocando numa circularidade entre o direito administrativo e comunitário, criando normas que se “forjam” neste importar e exportar de conceitos.

O que foi dito, é também plenamente verdade para as especificidades do contencioso administrativo, não sendo só em matéria substantiva que se verifica a europeização. Neste âmbito pode também ser constatada uma dupla dependência, tanto resultante das fontes administrativas comunitárias como das fontes jurisprudenciais, como já referimos.

Assim podemos afirmar que o Contencioso Administrativo português, sendo Portugal estado membro da União Europeia, será de agora em diante, sempre influenciado na sua criação e desenvolvimento pela lei comunitária, quer pela integração jurídica horizontal que potencia a convergência das legislações nacionais, quer pela integração vertical a que se procede com o diálogo entre os estados membros e a União Europeia.

Esperamos ter apreendido o cerne da questão, deixamos ao vosso apreço a nossa opinião.

Augusto Torbay e Carla Dourado

Sem comentários: