terça-feira, 23 de outubro de 2007

Simulação de Julgamento: Âmbito de jurisdição, competência e legitimidade.

Caros colegas e professores:

Nesta nossa primeira intervenção abordaremos as questões sobre as quais nos é possível tecer uma opinião, tendo em conta a matéria leccionada até a data. Tencionamos ir completando a nossa sugestão de resolução do caso sub júdice à medida que as matérias sejam desenvolvidas nas aulas. Assim sendo, limitaremos a nossa participação à averiguação da jurisdição e do tribunal competente para apreciar o caso, e à questão da legitimidade processual tanto activa com passiva e concluiremos com uma aproximação à escolha do meio processual adequado à obtenção do efeito pretendido.

Neste caso é-nos apresentado António, vizinho do Centro Comercial “Acima de Nós Só a Ponte Sobre o Tejo”, que pretende impugnar o licenciamento atribuído pela Câmara à construção do dito Centro Comercial alegando que este viola o Plano Director Municipal. Perante estes factos, e tendo em conta o disposto no número 3 do artigo 212.º da CRP e no número 1 do artigo 1º do ETAF podemos considerar que se trata de uma matéria que cabe no âmbito da jurisdição administrativa, pois o litígio, que tem como objecto o licenciamento da construção do centro, enquadra-se no âmbito de uma relação jurídica administrativa entre a administração e as autoridades responsáveis pela construção do centro, que é a quem foi concedida a licença. Ainda para mais, o exposto na alínea l)do número 1 do artigo 4.º do ETAF corrobora a nossa afirmação, ao atribuir a competência aos tribunais da jurisdição administrativa sempre que os litígios tenham nomeadamente por objecto, a prevenção de violação a valores e bens constitucionalmente protegidos em matéria de urbanismo e qualidade de vida, tal como alega António no caso em apreço. Quanto ao segundo argumento de António, relativamente ao perigo que a obra representa para a vida dos lojistas, temos as maiores duvidas em aceitar que este argumento possa ser considerado, devido à possível falta de legitimidade de António para alegar esse aspecto, mas de tal trataremos mais à frente. De referir será ainda que apreendemos a pretensão de António como susceptível de ser apreciada pelos tribunais administrativos, pelo facto de não se tratar de uma questão de mérito mas de legalidade. Está assim, nos poderes dos tribunais administrativos julgar o caso, tal como é retirado do número 1 do artigo 3º do CPTA.

Relativamente à competência hierárquica, sustentamos como competente o tribunal administrativo de círculo, que segundo o critério de competência residual que lhe afere o número 1 do artigo 44º do ETAF, conhece em primeira instância dos processos que não estejam reservados à competência de um tribunal superior. Pelo dito, o tribunal referido será o competente. Quanto a competência territorial, consideramos competente o tribunal administrativo de círculo de Lisboa, pois tal como refere o artigo 20.º do CPTA, nos processos respeitantes à prática de normas e actos administrativos das regiões Autónomas, das autarquias locais e demais entidades de âmbito local, são intentados no tribunal da área da sede da entidade demandada.

Quanto à legitimidade activa para impugnar o licenciamento, somos da opinião que pode ser atribuída ao António por uma de duas vias. Por um lado temos o número 1 do artigo 9.º do CPTA, que considera que o autor como parte legitima, se este alegar ser parte na relação material controvertida. Contudo não se pode cair no erro de considerar que a relação administrativa em causa, pelo facto de ter como intervenientes a administração e António Vistas Largas, exclui por isso a legitimidade de António. Pois o que está em causa é o facto de António alegar uma posição substantiva de vantagem no âmbito da relação administrativa em causa. Não é assim relevante o facto da alegada posição de vantagem existir ou não, pois a sua existência de facto, pertence ao fundo da causa, pois o que importa é que o particular a alegue. É na verdade isto que se verifica no caso em apreço, pois o Plano Director Municipal protege o interesse dos particulares, dando a António a legitimidade para impugnar o acto. Contudo se tal não for considerado, António por outro lado, pode ter legitimidade activa pelo número 2 do artigo 9.º do CPTA. O referido artigo empreende uma extensão da legitimidade e permitirá a António a impugnação do acto administrativo com base no interesse colectivo de protecção de valores e bens constitucionalmente protegidos, nomeadamente em matéria de urbanismo e qualidade de vida, como é caso.

Quanto à legitimidade passiva, tal como prevista no artigo 10.º do CPTA, cabe à outra parte na relação material controvertida, tal como referido na primeira parte do seu número 1. Assim sendo, segundo o número 2 do mesmo artigo, a acção terá como parte demandada a pessoa colectiva de direito publico, neste caso a Câmara de Lisboa. Todavia, podemos concluir que neste caso existe um litisconsórcio passivo necessário. Por esse mesmo facto a pessoa colectiva pública não é a única parte demandada. Tal como exposto na segunda parte do número 1 do artigo 10.º, devera a acção ser proposta contra as pessoas com interesses contrapostos aos do autor. O artigo refere-se aos contra-interessados, noção cuja definição pode ser encontrada no artigo 57.º. Os contra-interessados serão assim quem seja prejudicado com o processo impugnatório ou tenha legitimo interesse na manutenção do acto. Por esta via concluímos que António Vistas Largas tem também legitimidade processual passiva.

Por ultimo concluímos que o meio processual adequado para efectivar a pretensão de António será acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, tal como referida no número 2 do artigo 46.º. Porém para que a acção possa prosseguir deve satisfazer os requisitos de impugnabilidade e legitimidade das partes. Mas deixaremos o aprofundamento desta questão para uma outra intervenção.

Deixamos também em aberto a questão da legitimidade de António quanto ao argumento de que existia um perigo para os futuros lojistas. Quanto a esta situação António de facto não tem um interesse subjectivo a proteger, nem se pode alegar que possa actuar pela acção popular, prevista no número 2 do artigo 9.º do CPTA, já que não se pode considerar o interesse dos lojistas (que é um grupo identificado e concreto) como interesse colectivo.

Concluímos a nossa intervenção, esperamos que seja útil para o aprofundamento do debate.

Augusto Torbay e Carla Dourado

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro colega,
Mostra-se necessário fazer um reparo à sua intervenção. Não despiciendo a exposição concisa e clara da questão em apreço, no que toca à legitimidade passiva, não me parece que a Câmara Municipal a tenha uma vez que esta não é pessoa de direito público, mas sim o município, sendo aquela um mero orgão deste último.