Tal como afirma o Professor Sérvulo Correia, o direito administrativo português foi tudo menos inovador. A sua génese provem essencialmente do modelo de justiça administrativa francesa e posteriormente alemã, já que é neste país que se dão os primeiros passos na inserção do Contencioso Administrativo nas Constituições.
Historicamente e numa primeira fase, os revolucionários franceses proíbem os tribunais comuns de julgar a actuação da administração, que era controlada apenas por si mesma e onde não havia qualquer preocupação com os direitos dos particulares face a essa actuação, tendo estes que recorrer primeiramente a um ministro, o chamado “ministro-juiz”, para que a sua causa pudesse ter recurso para o Conselho de Estado.
No entanto, a partir dos anos 70 do século passado dá-se o fenómeno de jurisdicionalização da justiça administrativa, concedendo-se plenos poderes aos juízes e decretando-se a total autonomia dos tribunais administrativos em relação á própria administração.
Em Portugal é Mouzinho da Silveira que implementa um sistema autónomo que durará até 1976 e que tenta terminar com a total promiscuidade existente entre poder judicial e a administração pública. Mas é apenas com a Constituição da Republica Portuguesa de 1976 que se dá plena jurisdição aos tribunais administrativos portugueses (artigos 202º e seguintes da CRP) e é também por esta altura que são reconhecidos verdadeiros direitos dos particulares (artigo 268º CRP), sendo que serão estes agora o principal fim do Contencioso Administrativo.
É nesta fase que a grande preocupação se torna a de consagrar efectivamente no texto da Constituição os direitos subjectivos dos particulares e implementar um esquema judicial imparcial e justo que passaria pela criação de verdadeiros tribunais administrativos.
A partir de 1976, vamos observar esta evolução da justiça administrativa, vão criar-se verdadeiros tribunais, devidamente autonomizados (artigos 209º e 212º CRP), tribunais esses que vão ter a preocupação de proteger plenamente os direitos dos particulares e de não continuar a actuar “fechando os olhos” á verdadeira realidade, confundindo a administração com o poder judicial tão bem plasmada na celebre frase do pôs revolução francesa “julgar ainda é administrar”.
No entanto, e infelizmente, o fosso que separava a nossa Constituição da verdadeira realidade constitucional era demasiado grande para que se conseguisse pôr em pratica e concretizar esta evolução e nem mesmo a reforma de 1984/85 da qual vai nascer o ETAF e a LEPTA, nem a revisão constitucional de 1989, onde o legislador contempla um modelo essencialmente subjectivista e se liberta da ideia de que o Contencioso Administrativo apenas passa pelo Recurso de Anulação, se consegue reagir contra a inércia que envolvia a justiça administrativa desde sempre.
Apenas em 2004 conseguimos observar uma verdadeira revolução no planeamento do novo Contencioso Administrativo português. Esta reforma vai então aplicar com rigor o modelo da lei fundamental, conseguindo ultrapassar as divergências entre o texto e a realidade e procurando assegurar um nível elevado de protecção dos direitos dos particulares, nomeadamente alargando os meios processuais em utilização, bem como consagrando um modelo de tutela cautelar.
Um outro pilar base da evolução positiva do Contencioso Administrativos nos últimos anos é a criação de normas, doutrina e jurisprudência ao nível da União Europeia e do Direito Comunitário, que vão contribuir largamente, não só para a harmonizar o direito interno dos vários estados membros, mas também ajudar a ultrapassar os vastos “traumas”que até ao fim do século XX as ordens jurídicas foram sofrendo.
Em Portugal concretamente, até 2004 não se conseguiu notar com grande relevo estas influências Europeias, porque por um lado não havia concretização constitucional do modelo de justiça administrativa consagrado e por outro a nível europeu era-nos impossível atingir esta evolução já que continuávamos agarrados ao “velhinho” Recurso de Anulação.
Era, por isso, mínima a influência do Direito Comunitário no Processo Administrativo português, ainda que de vez em quando, mas muito pontualmente se pudessem descortinar algumas situações olhadas do ponto de vista europeu.
Com a reforma de 2004, Portugal como que “fez as pazes” com a Europa conseguindo concretizar adequadamente o modelo que vinha gradualmente a ser instituído nos demais estados membros, que tinha como grande objectivo a plena protecção dos particulares e uma justiça administrativa independente devidamente jurisdicionalizada.
Concluindo, temos que cada vez mais dar o nosso mérito ao direito processual administrativo europeu, que tanto por fontes legislativas como jurisprudenciais tem chegado até nós e cuja importância é cada vez maior, terminando com as fronteiras entre países.
Ana Silva e Bruna Gomes
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