Caros colegas e professores:
Nesta participação trataremos do meio processual que consideramos adequado à protecção dos interesses do particular em questão. Veremos a questão da legitimidade, da impugnabilidade e dos prazos a observar. Faremos também, uma breve alusão aos debates doutrinários presentes em cada um destes aspectos.
Voltando um pouco atrás, retomando as conclusões a que chegamos na nossa anterior participação. Tínhamos concluído que António tinha legitimidade activa, segundo o número 1 do artigo 9.º (todos os artigos referidos pertencem ao CTPA), contudo atribuímos a legitimidade passiva à Câmara Municipal, o que não está correcto, tal como nos foi gentilmente alertado por um colega (feedback que agradecemos desde já). A pessoa colectiva de direito público a ser demandada nos termos do número 2 do artigo 10.º será o Município, pertencendo a este a legitimidade passiva. Contudo será de salientar que de acordo com o numero 4 do artigo 10.º, tal não obstaria a que a acção fosse considerada como correctamente proposta, pois se considera que esta foi proposta contra a pessoa colectiva de direito publico a que o órgão demandado pertence.
Uma vez resolvida a legitimidade do ponto de vista geral, cabe saber qual é a acção a ser proposta, para a satisfação do pedido do autor. O contencioso administrativo português, põe ao dispor do particular dois tipos de acções principais, a acção comum e a especial. O critério para a escolha (que sabemos ser meramente aparente) estaria no artigo 37.º, no seu número 1, sendo um critério residual, que atribui à acção comum, tudo o que nem no CPTA nem em legislação avulsa seja objecto de regulação especial. Contudo, o verdadeiro critério está no artigo 46.º que assume no seu número 1, que cabem nesta acção, os pedidos que tenham por objecto “pretensões emergentes de pratica ou omissões ilegais de actos administrativo, bem como normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo”. Observando o caso sub judice será de admitir que cabe na acção administrativa especial. Considerando que o que António pretende é reagir contra o licenciamento da construção do Centro Comercial, o pedido adequado será o pedido de anulação de um acto administrativo, tal como previsto na alínea a) do número 2 do artigo 46.º.
Para além do pressuposto geral de legitimidade imposto nos artigos 9.º e 10.º, cada pedido observa os seus pressupostos específicos. Nomeadamente, no que se refere a acção de impugnação, temos requisitos especiais de legitimidade, assim como requisitos concernentes com o acto em si, e questões de tempestividade que devem ser observadas.
Comecemos pela legitimidade. O artigo 55.º versa sobre a legitimidade activa. No seu número 1, o artigo 55.º exige, como fundamento da legitimidade activa, que se alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesse legalmente protegidos. Quanto ao entendimento a dar a esta norma, há uma clivagem doutrinal, que opõe a doutrina defendida pelo professor Vasco Pereira da Silva, à defendida pelo professor Mário Aroso de Almeida. Na perspectiva de Mário Aroso de Almeida, deve ser adoptada uma visão mais objectivista no artigo 55.º, do que aquela que é observada no artigo 9.º. Assim sendo, não só é legitimo o autor que tem um direito a defender, como também o é, aquele que tem um interesse legalmente protegido e que vê, esse mesmo interesse a ser prejudicado por um acto administrativo. Entende-se esse interesse, como uma situação de “conveniência” retirada de um acto administrativo, mas que não é directamente dirigida ao autor, mas que dela retira um interesse de facto. Contudo, segundo o nosso professor, o artigo deve ser interpretado segundo uma perspectiva subjectivista. Assim, para ser parte legítima, deve o autor ser titular de uma situação de vantagem, que lhe atribua um direito subjectivo, na noção que este autor defende, que é lesada ou é susceptível de ser lesada com um acto administrativo. Segundo esta doutrina, não se tutelam meros interesses de facto. Adopte-se uma ou outra perspectiva, a posição do autor da acção, no caso sobre o qual versamos, atribui-lhe legitimidade activa, pois podemos considerar que este tem um direito pessoal, que lhe é atribuído pelo Plano Director Municipal. A questão de saber se desta norma se retira um direito pessoal para os vizinhos da zona, ou se dele mais não se retira que um interesse de facto, poderia ser levantada para arguir a legitimidade do autor. Todavia, entendemos que a razão da norma é proteger a qualidade de vida dos moradores da zona. Por outro lado o artigo exige também que o interesse posto em causa seja directo. Este pressuposto não deve ser entendido puramente como o pressuposto de legitimidade, configura-se antes como o pressuposto de interesse em agir, por parte do autor. Como podemos ver pelo caso dado, há de facto um interesse que está a ser posto em causa por parte de um acto administrativo. Assim podemos concluir que António tem um interesse directo e pessoal, pelo que é parte legítima, para a impugnação do acto. Quanto à legitimidade passiva, tal como referimos cabe ao Município, segundo o artigo 10.º nos seus números 1 e 2. Mas o artigo 57.º cria uma exigência de litisconsórcio necessário passivo, pois exige que sejam demandados também os contra-interessados, que neste caso, é o António Vistas Largas, pois tem interesse na continuidade dos efeitos do acto em causa. No caso de não demandar o contra-interessado, haverá lugar a absolvição da instância.
Resta ainda o requisito de impugnabilidade do acto. Segundo o número 1 do artigo 51.º o acto impugnável é aquele que, ainda que inserido do procedimento administrativo, tenha eficácia externa, especialmente aqueles que sejam susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Relativamente a estes pressupostos, há também uma divisão da doutrina opondo os mesmos autores supra citados. Por um lado temos a perspectiva do professor Mário Aroso de Almeida que vê como mínimo exigível para a impugnabilidade a eficácia externa, sendo um requisito objectivo. A lesão mais não é que uma especial verificação da eficácia externa, que reforça o fundamento da impugnação. Contudo o professor Vasco Pereira da Silva, contrapõe afirmando que requisito essencial é a susceptibilidade de lesão, afastando assim a definitividade horizontal, defende que qualquer acto é impugnável desde que lesivo de um direito. No caso em analise temos um acto, com eficácia externa e que lesa ou é susceptível de lesar direitos do autor da acção, pelo que concluímos que o acto é impugnável.
Por ultimo vamos debruar-nos sobre os requisitos de tempestividade do acto. Relativamente à acção de impugnação, o artigo 58.º refere os prazos de impugnação. Os prazos diferem consoante se trate de um acto nulo ou anulável. Para tal aferição remetemo-nos para o artigo 133.º do CPA que define quais os actos que devem ser considerados nulos, mas deve ser atendido também o artigo 135.º que refere que os demais casos serão anuláveis, se outra sanção não seja prevista. Para o caso em questão existe lei avulsa que versa sobre o tema, o artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 380/99 de 22-09-1999, refere que o acto em questão está ferido de nulidade. Assim sendo, o artigo 58.º no seu número 1, refere que a impugnação não está sujeita a prazo, por ser nulo o acto. Caso assim não fosse, pela alínea b) do número 2 do artigo 59º, o prazo para arguir a anulação seria de três meses. No que se refere ao início da contagem do prazo, a disposição aplicável seria o número 3 do artigo 59.º, assim o prazo começa a contar desde a notificação, a publicação ou do conhecimento do acto, a qual suceder primeiro.
Concluímos assim a nossa participação, deixando-a em aberto à qualquer reparo que considerem adequado.
Augusto Torbay e Carla Dourado.
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