Nesta nossa intervenção, trataremos do processo cautelar que poderá ser proposto por António. Temos consciência de que o tema já foi tratado, em intervenções dos nossos colegas, contudo, salvo o devido respeito, consideramos que se poderá dar um outro enquadramento à questão, nomeadamente no que concerne aos requisitos do artigo 120.º. Posteriormente concluiremos com uma breve apreciação das razões pelas quais não é de aplicar no caso, uma intimação.
De facto, a questão da legitimidade para a prossecução da acção cautelar está assegurada. Como se pode constatar pelo artigo 112.º no seu número 1º, o requisito é que tenha legitimidade para propor a acção principal. Quanto ao carácter da acção a propor, concordamos que se trata de uma acção de suspensão de eficácia, tal como previsto na alínea a) do número 2 do citado artigo. De referir será, que autores com Mário A. de Almeida consideram este artigo como uma cláusula aberta, e as suas alíneas meramente exemplificativas. Quanto ao momento de requerimento da providência cautelar, devemos chamar a atenção para o carácter instrumental do processo cautelar quanto ao processo principal. Partindo desta premissa, o artigo 114.º no seu número 1, permite que a providência seja requerida, antes, simultaneamente ou durante o decorrer do processo principal. Segundo este artigo, e tendo em consideração o artigo 123.º, poderemos afirmar que o prazo para a instauração de uma providencia cautelar, será no máximo, o prazo de que se dispõe para a proposição do acção principal. Pelo que, se for proposta antes de propor a acção principal, terá três meses para propor a acção principal, ou caducará a providência cautelar.
Relativamente à verificação dos critérios para a adopção da providência cautelar (aspecto no qual nos afastamos das considerações dos nossos colegas), pesamos não se tratar aqui de uma situação que caiba na alínea b) do número 1 do artigo 120.º, ou melhor, poderá até caber, mas consideramos que existe a possibilidade de uma melhor protecção dos interesses do particular.
De notar é que o artigo 120.º é uma manifestação da característica de sumariedade da providência cautelar, pois o que está em causa neste artigo, são juízos sumários, meras apreciações perfunctórias, que levam a considerar a imperatividade da instauração de uma providência cautelar. A complexidade deste artigo, recai nos requisitos das três alíneas do número 1. A alínea c) aplica-se para os casos de providências antecipatórias, entendida como a providencia que pretende a alteração do status quo, requerendo da administração a realização de uma prestação, para minorar os danos provocados pela demora da acção. Exige-se aqui a existência de periculum in mora, entendido como o receio de que se torne difícil a reparação dos prejuízos provocados nos interesses que o autor persegue na acção principal. Contudo o elemento conclusivo é a existência de uma grande probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular seja procedente, ou seja, o fumus boni iuris (aparência de bom direito), denominado qualificado ou positivo neste caso, por se exigir que seja provável a procedência da acção. Por outro lado temos a alínea b), que exige igualmente o periculum in mora, mas é menos exigente quanto à verificação do fumus bons iuris, pois aqui só se exige que a acção principal não seja desprovida manifestamente de fundamento, por isso denomina-se o requisito como fumus boni iuris negativo. De referir será que, este carácter menos exigente se justifica por estar aqui em causa, uma providencia conservatória, ou seja, uma que se limita a manter o estado actual, sem requer nenhuma alteração, consequentemente não intervindo assim com o interesse de terceiros, pelo que se é menos exigente com a sua adopção. Se bem entendemos a posição dos nossos colegas. Consideram verificar-se os requisitos desta alínea. O que de facto se dá. De facto há um periculum in mora, pois aquando do momento da sentença da acção principal, a obra pode estar acabada ou num estado avançado, tornando difícil o efeito útil da acção principal. Para além disso, também se verídica o fumus boni iuris negativo, pois mesmo que não fosse evidente que a acção procederá, pelo menos não se duvidará que esta não carece manifestamente de fundamento. Contudo, consideramos que será aqui o caso de aplicar a alínea a) deste artigo. Embora da sua letra não pareça resultar a exigência do periculum in mora, a doutrina tem entendido que este é sempre exigido, até como pressuposto do interesse em agir. Mas o mais relevante é que nesta alínea a “aparência do bom direito” assume um valor decisivo. Não se exige apenas que seja provável a procedência da acção principal, mas que esta seja evidente, por ser intentada contra um acto manifestamente ilegal, contra uma norma anteriormente anulada ou contra um acto similar a outro já declarado nulo ou inexistente. Neste caso fala-se de fumus boni iuris qualificado, pois esta evidência basta para justificar a providência. Consideramos que é este o caso, e tendo em conta que a licença é ilegal, poderá ser adoptada esta providência cautelar conservatória. Esta consideração é de grande importância, pois o número 2 do mesmo artigo, refere que o critério da ponderação de interesses deve ser levado a cabo nos casos das alíneas b) e c), ou seja, mesmo que haja uma desigualdade de interesses, não são ponderáveis, no caso de se verificarem os requisitos da alínea a), pois não pode o tribunal defender interesse fundados em normas ilegais. De realçar é o facto de a doutrina, ter entendido uma interpretação restritiva desta alínea, considerando, como faz Vieira de Andrade, que só se aplica para os casos de nulidade, pois merecem tutela imediata. Mas mesmo com esta interpretação restritiva, será de aplicar esta alínea. Uma vês requerida, pelo artigo 28.º podemos ver que os seus efeitos são suspendidos. Mário Aroso de Almeida entende que não há aqui uma verdadeira suspensão, mas antes uma proibição de prosseguir a execução, não sendo a administração obrigada a tomar providências que seria obrigada no caso de uma suspensão strito sensu, se bem entendemos a sua opinião. De realçar será também a possibilidade de efeito retroactivo da providência, que poderá suspender actos já praticados, como se não tivessem sido praticados, como podemos ver pelo artigo 129.º. Contudo haverá aqui lugar a averiguação do periculum in mora, pois se na eventualidade de estes actos terem já provocados todos os efeitos nocivos que poderiam provocar, não haverá interesse em agir. Por ultimo referiremos que consideramos que não se poderá aplicar o artigo 131.º, pois o seu número 1, exige a verificação de periculum in mora qualificado, o perigo neste caso não está na demora da acção principal, mas na demora da própria adopção da providência cautelar. Mas não consideramos que seja o caso. De referir será apenas o facto de que se o tribunal considerar que existe a possibilidade de lesão iminente de direitos fundamentais, pode o juiz oficiosamente promover esta categoria de providência cautelar.
Relativamente à uma possível intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Consideramos que tal como previsto no artigo 109.º no seu número 1, tem fundamento quando uma providência não seja suficiente. Consideramos este preceito uma tradução do carácter de provisoriedade das providências cautelares. Não pode uma providência cautelar garantir o efeito requerido na acção principal, sendo provisória, por isso alterável ou revogável. A intimação servirá para os casos em que, por isso mesmo, não se pode usar uma acção cautelar. Podemos tomar o exemplo de um pedido para permitir usufruir de tempo de antena, durante uma campanha politica. Num tal pedido, conferir uma providência cautelar que permitisse esse tempo de antena garantiria o efeito da acção principal, o que não pode suceder. Nesse já se poderia usar da intimação, mas como se pode ver, não se trata do caso em apreço.
Augusto Torbay e Carla Dourado.
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