quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Simulação de Julgamento - Legitimidade Activa. E que tal uma Providência Cautelar?

Da leitura dos comentários dos nossos colegas pensamos ser necessário aflorar mais um pouco o tema da legitimidade processual, concretamente a legitimidade activa.

Tratando-se da impugnação de um acto administrativo, como já foi referido noutros comentários, temos de atender nesta matéria ao artigo 9.º assim como ao artigo 55.º do CPTA.
A pretensão de António é reagir contra a violação de vários direitos. Em primeiro lugar afirma que o disposto no PDM em relação às alturas máximas edificáveis está a ser violado. Alega ainda que os moradores vizinhos do empreendimento estarão a ser prejudicados e a verem os seus direitos fundamentais afectados: direito à qualidade de vida e direito ao ambiente. De seguida salienta que os futuros lojistas e clientes do Centro Comercial estariam em risco de verem lesados os seus direitos à vida e à integridade física devido a possíveis carros “voadores” vindos da Ponte 25 de Abril, que “aterrariam” no Centro Comercial.
Como podemos ver estão em causa aqui quatro direitos fundamentais. Pensamos que face a estes direitos violados António teria ao seu dispôr quer a acção particular, quer a acção popular, já aludidas em comentários anteriores.
O que nos poderia levar a pensar de que ele teria legitimidade para propôr uma acção popular é precisamente a preocupação de António com a violação dos direitos de terceitos: direito à vida e à integridade física. Porém, esses dois direitos são, neste caso, direitos subjectivos de terceiros e não se enquadram na acção popular. Para a acção popular é necessário estarem em causa interesses comunitários, como é o caso do direito à qualidade de vida e ao ambiente (art. 9.º n.º 2 CPTA). Assim, António poderia seguir esta via, alegando que estava a proceder em interesse dos restantes moradores da zona do empreendimento intentando uma acção administrativa especial popular (art. 55.º n.º 2), para impugnação do acto administrativo, uma vez que este era violador dos direitos à qualidade de vida e ao ambiente dos referidos moradores.
No entanto, António sendo vizinho do empreendimento também vê o seu direito à qualidade de vida e ao ambiente afectados. Sendo o PDM um instrumento usado para planear a utilização, ocupação e transformação do solo, de um modo racional, e com a finalidade de proteger os habitantes do município contra a má utilização do território, e sendo António morador vizinho do empreendimento, fazendo parte do mesmo município, parece-nos que tem um interesse pessoal e directo nos termos do art. 9.º n.º 1 e 55.º n.º 1 al. a) do CPTA devido ao PDM ter sido violado (sendo que o que está em causa para nós é um interesse pessoal e directo ao abrigo da violação do PDM, e não se trata de um interesse legalmente protegido, não nos parece que valha a pena falar novamente da divergência doutrinal entre o Prof. Vasco Pereira da Silva e o Prof. Mário Aroso de Almeida, visto que essa divergência já foi exposta pelos colegas).
Posto isto, temos duas acções para conciliar: acção particular e acção popular. O nosso primeiro impulso foi pensar que tratar-se-ia aqui de uma cumulação de acções. Mas não se pode fazê-lo. No entender do Prof. Vasco Pereira da Silva o particular podendo lançar mão das duas acções tem de optar. As duas acções não são, nestes termos, cumuláveis, mas sim subsidiárias. Concluímos assim que António tinha legitimidade para intentar qualquer uma das duas acções, mas teria de decidir entre invocar direitos próprios ou direitos fundamentais comunitários.


Tem sido, aqui, apenas falado do pedido principal de António de impugnação do acto administrativo previsto no art. 46.º n.º 2 al. a). Mas para além disto, ele pode pedir também a suspensão da eficácia do acto administrativo. Para obter tal resultado o CPTA fala-nos de um meio mais expedito que é a providência cautelar prevista no artigo 112.º e seguintes. Através dos processos cautelares o autor pede ao tribunal uma providência destinada a impedir que, durante a pendência do processo principal, possa ficar em perigo a utilidade da sentença que naquele processo se pretende ver proferida. Este processo, pode segundo o artigo 113.º ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respectivo. Como se trata de um processo urgente, se o autor quiser, pode ser requerido ainda antes da proposta principal, sendo logo apensado a esta quando seja intentada.
Para que António possa intentar esta acção é necessário que estejam preenchidos alguns requisitos, nomeadamente, que tenha legitimidade para propôr a acção principal. Já verificámos que tem. Para além do pressuposto da legitimidade, segundo o número 1 do artigo 112.º é necessário também que as providências se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.
O artigo 112.º enumera no seu número 2 um elenco, não taxativo, de providências cautelares, e para além destas existem todas as providências possíveis, precisamente para que a utilidade da sentença possa ser assegurada. O caso em questão, no nosso entender, parece enquadrar-se na alínea a) deste preceito pois trata-se da suspensão de eficácia de um acto administrativo. O acto administrativo a ser suspenso provisoriamente deverá ser o acto de licenciar a construção do Centro Comercial.
As providências podem ser distuinguidas em providências conservatórias, que procuram manter a situação actual, e em providências antecipatórias, que procuram provocar um comportamento antecipado da administração.
No caso parece tratar-se uma providência conservatória pois procura-se manter a situação actual através da suspensão do acto, ou seja, manter aquele local sem a construção do Centro Comercial. Para sustentar isto é, necessário ver se se encontram preenchidos os requisitos do artigo 120.º, n.º 2 al. b) designadamente, se há uma situação de perigo - «periculum in mora» e se o pedido não é manifestamente improcedente - «fumus boni iuris (negativo)». O que no nosso entendimento parece verificar-se.
Importa referir também que, quando a providência cautelar se destina a acautelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil ou quando entenda haver especial urgência, o interessado pode, nos termos do artigo 131.º pedir o decretamento provisório da providência.
Achamos importante explicar esta opção de recorrer a uma providência cautelar e não à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias o que facilmente se explica pelo facto de esta última só funcionar se as providências previstas no elenco do artigo 112.º não forem suficientes para acautelar o direito ou quando não for possível propor providência cautelar.
Por último, no tocante ainda às providências cautelares, o argumento da prossecução de interesse público poderia ser utilizado aqui pela autoridade administrativa para afectar os efeitos da providência cautelar requerida para suspensão da eficácia do acto (art. 128.º n.º 1), no entanto, este argumento nunca poderia ser utilizado para a não impugnação do acto (assunto já aludido no comentário de colegas).

Ficaremos à espera de críticas ou outros pontos de vista.

Ana Soares Fraga e Luis Campos Leal

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