Antes de mais é necessário analisar a matéria de facto do referido acórdão. As autoras interpuseram, para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso de revista de um acórdão do TCA Sul que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Lisboa.
Em acção principal, as autoras pediram a declaração de nulidade de 5 deliberações da ANACOM (a agora recorrida), através das quais foi alterada a licença inicial emitida a favor da contra-interessada, assim como a condenação da ANACOM a restabelecer a situação que existiria se essas deliberações não tivessem sido praticadas e ainda a condenação do Estado ao ressarcimento de danos sofridos em consequência dessas deliberações.
Em sede de tutela cautelar, pediram que a recorrida se abstivesse de proceder à reemissão da licença por terem receio de que a ANACOM fosse alterar os termos da licença de modo a permitir à contra-interessada a prestação de um serviço em concorrência com os serviços prestados pelas recorrentes. Foi esta providência cautelar que foi julgada improcedente tanto pelo TAF de Lisboa como pelo TCA Sul.
A questão processual que foi apreciada no Recurso para o STA foi a interpretação e o alcance do requisito da instrumentalidade nos processos cautelares. Para tal, foi necessário delimitar o sentido e o alcance normativo do requisito da instrumentalidade e aferir se esse requisito se verificava ou não.
Ora, as providências cautelares destinam-se, tal como refere o Acórdão, a obter uma regulação provisória dos interesses envolvidos num determinado litígio. Podem ser providências antecipatórias, se se traduzirem em antecipar, a título provisório, a constituição de uma situação jurídica que se pretende alcançar, a título definitivo no processo principal; ou conservatórias se visam a manutenção, a título provisório, de uma situação jurídica já existente até que a situação seja definida no processo principal. A principal finalidade das providências cautelares, tanto das antecipatórias como das conservatórias é garantir a eficácia da sentença, que, pelo decurso do tempo, poderia não dar já uma resposta adequada aos interesses envolvidos.
As providências cautelares têm de obedecer a certos pressupostos e requisitos e têm, designadamente, de estar numa relação de dependência relativamente à acção principal, à luz do art.º 113º n.º 1 do CPTA; uma das características desta dependência é a instrumentalidade, que configura a decisão cautelar como instrumento e garantia da utilidade de uma sentença, impedindo que esta perca toda ou parte da sua eficácia. Assim, a tutela provisória, a tutela cautelar, não pode dar mais do que se vai obter na acção principal, não pode produzir o mesmo efeito a título definitivo e não pode conceder-se com a medida cautelar coisa substancialmente diferente daquela que há-de alcançar-se com a acção principal. Pode admitir-se a não exigibilidade da completa identidade entre os efeitos da providência cautelar e da sentença da acção principal, mas será sempre necessária uma proximidade entre elas que configure o carácter instrumental e provisório da providência cautelar.
As autoras, agora recorrentes, alegam que, quando o Tribunal declarou que não estava cumprido o requisito da instrumentalidade adoptou um entendimento exclusivamente formalista deste requisito, uma vez que entendem que a causa de pedir e o Direito invocado são os mesmos. Alegam, em resultado, que o Tribunal violou os princípios da livre cumulabilidade de pedidos, da promoção do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva.
Também o STA, neste acórdão, vem dizer que este requisito da instrumentalidade não foi preenchido neste caso. Isto porque da eventual pronuncia condenatória não resulta que a entidade requerida fique impedida de praticar o acto de reemissão da licença, uma vez que não foi formulado qualquer pedido com esse objecto – o de condenação à abstenção dessa conduta – na acção principal. O objecto na acção principal não será a legalidade do acto de reemissão da licença mas antes a legalidade das deliberações de alteração da mesma. Em suma, entendeu o STA que deve ter-se por inverificado aquele requisito quando se constatar, como foi o caso, que a tutela jurisdicional provisória pretendida com a providência cautelar não irá ser objecto de uma pronuncia definitiva naquela acção, pois que nela não foi formulado qualquer pedido com esse objecto, o que violaria o disposto nos artigos 112º n.º 1, in fine, e 113º n.º 1. Estes requisitos legais não foram adulterados ou menorizados pelo que não existe nenhuma violação aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e promoção do acesso à justiça, nem as recorrentes esclarecem porque é que alegam que tais princípios foram violados. Em relação ao princípio da livre cumulabilidade de pedidos cabe dizer que a acção principal e o processo cautelar são meios processuais distintos, o processo cautelar tem tramitação autónoma em relação à acção principal (artigo 113º n.º 2) e a amplitude deste princípio só se coloca no âmbito de cada um dos meios processuais.
Neste caso, a reemissão da licença é um acto futuro, ainda nem foi praticado e poderá ser impugnado pelas recorrentes em sede de acção administrativa especial e poderá também ser objecto de pedido cautelar de suspensão de eficácia, hipótese em que já estará preenchido o requisito da instrumentalidade, sem duvida, deste pedido cautelar em relação à acção principal de impugnação do próprio acto de reemissão da licença. Esta hipótese é muito diferente do pedido formulado neste processo, em que a providência cautelar não iria assegurar qualquer utilidade a uma decisão condenatória que viesse a ser proferida na acção principal porque o objecto sobre o qual incidia uma e outra era diferente.
Realizado por Soraia Mateus, Raquel Ferreira e Diana Ferreira
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