- Nos termos do artigo 85.° do CPTA, o Ministério Público poderá intervir independentemente do seu interesse pessoal na demanda, com toda a legitimidade sempre que, estejam em causa processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos ou outros direitos fundamentais dos cidadãos ou interesses públicos especialmente relevantes. Ao Ministério Público competirá ainda procurar promover diligências de instrução, bem como pronunciar-se sobre o mérito da causa, na total defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes, nomeadamente os valores e bens referidos no art.9.º n.º2 do CPTA.
- Esta legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, justifica-se pela exigência de protecção dos direitos constitucionalmente protegidos. Nesta sequência, compete ao Ministério Público defender os direitos fundamentais previstos nos artigos 65.° e 66.º da CRP. Está aqui em causa o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. Aplica-se o artigo 66.° 2 e), que consagra o dever do Estado promover, com o envolvimento e a participação dos cidadãos, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana. Ao Ministério Público, no âmbito do Direito ao Urbanismo previsto no art.65.º n.º4 da CRP, compete igualmente realçar o papel do Estado no definir das regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo. É também importante frisar que o artigo 65.º n.º5 da CRP prevê a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico.
- Sabemos que o valor jurídico negativo regra no Direito Administrativo é a anulabilidade como vem estipulado no artigo 135.° do CPA. No entanto, cabe-nos analisar as causas de nulidade. No art. 133.º, n.º 2 d) do CPA, cominam-se com a nulidade “os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”. Tem-se entendido que a expressão “direitos fundamentais” abrange apenas os “direitos, liberdades e garantias” e os direitos de natureza análoga. Aplicando-se a estes últimos o regime consagrado nos artigos 17.° e 18.° da CRP. Na defesa do direito ao ambiente como direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias pronunciam-se, entre outros, JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Ed., Coimbra, 2007, p. 845, sublinhando o facto de a sua primazia justificar certas restrições do direito à “liberdade de construção potencial” impondo-lhe “ónus ou restrições socialmente adequadas”. O artigo 66.º da CRP confere pois aos cidadãos, concretos direitos subjectivos, a que correspondem deveres de protecção da Administração Pública.
O acto administrativo de licenciamento de obra está adstrito ao respeito pelo núcleo essencial do direito ao ambiente, de facto, está em causa o facto de se estar a construir um prédio de 35m em frente a um bairro residencial com cercear bastante reduzida mas também a violação do Sistema de Vistas. Estes factos afectam o direito concreto do particular.
Pode ler-se no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 25.05.1990:
Deve entender-se o direito ao ambiente como um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (...) na parte e medida em que se traduz num direito à abstenção por parte do Estado, de acções perturbadoras e ou atentatórias do ambiente. Essa analogia pode ainda fundamentar-se numa certa relação de meio a fim, entre o direito ao ambiente, como direito fundamental de natureza social e de prestação negativa, e o direito à vida, também direito fundamental, e incluído entre os direitos, liberdades e garantias.
Nesta perspectiva, defender o ambiente tem sentido como meio de garantir o direito à vida (...). Assim sendo - cf. o artigo 17º da Lei Fundamental -, esse preceito (o referido artigo 66º da Constituição da República) é directamente aplicável e vincula o Estado e demais entidades - artigo 18º, nº 1. O acto administrativo que viole direitos, liberdades e garantias ou direitos sociais que devam ter o mesmo regime daqueles, não pode ter tratamento mais benévolo do que uma lei que se ocupasse da mesma matéria em desrespeito da Constituição.
Como este Conselho Consultivo tem entendido, e se escreveu, plexo., no parecer nº 26/78, de 16 de Março de 1978:
"Por força do artigo 18º, nº 1, da Constituição da República os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. Quer dizer: as normas que reconhecem os direitos fundamentais são regras jurídicas vinculativas de todos os órgãos do Estado e o poder executivo terá de actuar de forma a proteger e impulsionar a realização concreta dos mesmos direitos. Por outras palavras ainda, todas as autoridades encarregadas de aplicar o direito podem e devem dar operatividade imediata às normas constitucionais.
"É, afinal, a aplicação do princípio fundamental da não contradição da ordem jurídica, que postula a validade exclusiva das normas hierarquicamente superiores, ou seja, das normas constitucionais.
(...)
Na sequência do exposto, tanto basta para se qualificar de nulidade, e não de mera anulabilidade, o vício dos actos administrativos que violem, nos precisos limites atrás apontados, o referido preceito fundamental.”
O citado parecer conclui que violam o art. 66.º da CRP “os actos administrativos atentatórios do ambiente que não respeitem o conteúdo essencial desse direito, isto é, aquele mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir”, sendo portanto, nulos. Estes actos vêm referidos nos artigos 9.°, 10.°, 11.° e 15.° da Petição Inicial. Compete-nos acrescentar que é um direito social, económico e cultural constitucionalmente protegido, sendo que neste caso encontra-se protegido pelo n.°1 e mais concretamente pelo n.°2, e) do art.66° da C.R.P., isto por considerarmos haver uma violação da qualidade de vida urbana no plano arquitectónico.
- O art.4° da Petição Inicial refere que o projecto em si mesmo é ilegal, uma vez que a altura do edifício irá violar o permitido pelo Plano Director Municipal de Lisboa vigente, que estabelece como limite máximo 25 metros, não devendo por isso ter sido aprovada a licença em questão. Considera-se esse argumento válido pelo facto da altura do prédio em causa ser de 35 metros, o que ultrapassa em dez metros o limite previamente estabelecido, violando claramente o art. 55.º n.°1 alínea e) do PDM. As violações do PDM geram a nulidade do acto nos termos do art.68.° a) do Decreto-Lei n.º 555/99, em conexão com o art.103.° do Decreto-Lei n.º 380/99 (a nulidade do acto não é referida concretamente na Petição Inicial). O artigo 7.° da Petição Inicial também versa sobre esta matéria vindo somente confirmar o já referido no artigo 4.° e servindo também para confirmar a nulidade do acto pois este artigo refere, mais uma vez, a violação do PDM. Os artigos 14.° e 16.° da Petição Inicial vêm também confirmar esse facto.
- Mais se acrescenta, o PDM consagra ainda no art. 7.º a existência de servidões administrativas e restrições ao uso dos solos a certas áreas do território municipal como é o caso da protecção a edifícios públicos, a vias rodoviárias e a imóveis de interesse municipal, o que nos leva a reiterar o pedido consagrado no art. 8.º da providência cautelar por parte dos autores, por entendermos que a construção da dita infra-estrutura não respeita as imposições do solo no local em causa.
- Em conclusão, é notória a violação do PDM no respeitante à altura e à localização da obra construída, bem como a violação dos deveres ambientais que a obra irá suscitar, pelo que a acção proposta e a providência cautelar merecem o meu provimento, segundo o nosso parecer.
António Mendes
Carolina Carvalho
Francisco Passos
Miguel Bastos
Nuno André Nunes
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