sábado, 1 de dezembro de 2007

ARGUMENTOS DE ANTÓNIO DE LISBOA – VIOLAÇÃO DO PDM

Está em causa a alegada violação das disposições do Plano Director Municipal, relativas à altura máxima das construções edificáveis, por parte das autoridades administrativas que licenciaram a construção do Centro Comercial "Acima de Nós Só a Ponte Sobre o Tejo".


Antes de mais, gostaria de fazer uma breve referência aos princípios a que a Administração está sujeita, inclusive no que diz respeito ao ordenamento do território. A Administração deve visar a prossecução do interesse público, e não de interesses privados (artigo 266º, nº1, 1ª parte da CRP). Da mesma maneira, está sujeita ao dever de boa administração, devendo, pois, visar o melhor interesse público nas melhores condições possíveis. Sendo que, ao prosseguir o interesse público deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (também consoante o disposto no referido artigo). Tenha-se em conta ainda que a actividade administrativa está sujeita ao princípio da legalidade (nº2, decorrendo ainda do princípio do Estado de Direito) – cfr. “Direito do Urbanismo”, Instituto Nacional de Administração.


Há agora que ter em conta o que é um Plano Director Municipal (doravante PDM). Trata-se de um regulamento (i.e., um acto normativo produzido pela Administração pública, no uso de poderes administrativos) local [porque emitido pelo órgão da Administração local - na verdade é elaborado pela Câmara Municipal e aprovado pela assembleia municipal, estando sujeito a parecer da junta regional e a ratificação pelo Governo – art. 20º, nº 4 a) da Lei nº 48/98]. Estabelece o modelo de estrutura espacial do território municipal, definindo o regime de uso e ocupação dos solos municipais – art. 9º, nº 2 a) do mesmo diploma. Decorrendo do dever de ordenar o território que incumbe ao Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais (artigo 4º do DL 380/99 e artigo 66º, 2 da Constituição), com este tipo de regulamentos visa-se, entre outros fins, reforçar a coesão nacional, organizar o território, corrigindo as assimetrias regionais, preservar o equilíbrio ambiental, a humanização das cidades e a funcionalidade dos espaços edificados, procurando ainda promover a qualidade de vida e promover a coerência dos sistemas em que os centros urbanos se inserem, isto consoante o disposto nas várias alíneas do art.3º do DL nº 380/99 de 11 de Agosto.

Relativamente à validade da licença, há que ter em atenção o artigo 67º do DL 555/99 (RJUE), segundo o qual a validade das licenças das operações urbanísticas depende da sua conformidade com normas legais e regulamentes aplicáveis em vigor à data da sua prática, sem prejuízo de edificações já existentes (regra que decorre do princípio tempus regit actum). Parece que é precisamente o que está em causa na nossa hipótese: a validade de uma licença de construção que não está conforme com as disposições de uma norma regulamentar, o PDM. Sendo que o artigo 68º do referido Diploma, estabelece a nulidade para as licenças que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território.

Assim, não me parece válido o argumento a favor de António Vistas Largas ao afirmar que não havia qualquer problema, dado que a construção já tinha sido licenciada. Na verdade esta licença está desconforme com o que dispõe o PDM e, como tal, é nula. Nem se afirme que tem direito ao respeito da sua situação jurídica, dado que não foi validamente constituída [art. 5º i) da Lei nº 48/99].

Quanto à questão da vinculatividade do PDM, há que ter em conta os artigos 11º da Lei nº 48/98e o art. 3º, nº 2 do DL. Nº 380/99. Assim:

Lei nº 48/98 de 11 de Agosto (que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo)

“Artigo 11º – Vinculação dos instrumentos de gestão territorial:

1 – Os instrumentos de gestão territorial vinculam as entidades públicas.

(…)”

DL nº 380/99 de 22 de Setembro (que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial)

“Artigo 3º - Vinculação jurídica

(…)

2 – Os planos municipais de ordenamento do território e os planos especiais de ordenamento do território vinculam as entidades públicas e ainda directa e imediatamente os particulares.”

Assim sendo, o PDM era vinculativo para as autoridades administrativas que licenciaram a construção do centro comercial, não podendo desrespeitar as suas disposições relativas à altura máxima das construções edificáveis.

No entanto, os planos directores municipais podem ser revistos ou mesmo suspensos (artigos 98º e 100º do DL. Nº 380/99). Há, contudo, que ter em conta que tal não pode ser feito sem mais, pois só poderá ser suspenso por decreto regulamentar ou por deliberação da assembleia municipal em circunstâncias excepcionais e de acordo com as restrições impostas no referido artigo 100º. De qualquer forma, numa situação em que o acto seja nulo por violação do plano, a alteração das suas normas não transforma, só por si, os actos nulos em actos válidos, já que a validade do acto é determinada segundo a norma vigente ao tempo da sua prática, segundo o já referido princípio tempus regit actum (cfr. CEDOUA/FACULDADE DE DIREITO DE COIMRA/IGAT, em “Direito do Urbanismo e autarquias locais”)

Contudo, não posso deixar de ter em conta um possível argumento que já foi mencionado, o da possibilidade de suspender o PDM para possibilitar a construção do centro comercial, se este for considerado um Projecto de Potencial Interesse Nacional.

Segundo a Resolução do Conselho de Ministros nº. 95/2005 que cria o Sistema de Reconhecimento e Acompanhamento dos Projectos de Potencial Interesse Nacional e o Decreto Regulamentar nº 8/2005 de 17 de Agosto de 2005, podem certos projectos, “em razão da sua especial valia nos planos económico, social, tecnológico, energético e de sustentabilidade ambiental” ser qualificados como de potencial interesse nacional e, como tal, beneficiar do favorecimento que lhes é dado, em termos de tramitação, autorização e licenciamento, acompanhamento, superação de bloqueios administrativos, etc.. Assim sendo, será necessário demonstrar que o Centro Comercial “Acima de Nós Só a Ponte Sobre o Tejo” poderia ser qualificado como um PIN, sendo que para tal deveria preencher os requisitos impostos para essa qualificação, os constantes do artigo 1º do ANEXO do Decreto supracitado. Teria de representar um investimento superior a 25 milhões de euros (o nº2, que não exige este montante, não parece poder-se aplicar) e apresentar um impacto positivo em pelo menos quatro dos domínios mencionados nas alíneas do nº1 desse artigo. Desta forma, a menos que se demonstre esse impacto (o que me parece improvável, sendo que, além do mais, não temos dados suficientes para o concluir), e que respeitasse todos os requisitos, o PDM não poderia ser suspenso.

Não se pode deixar de ter em atenção os direitos ao ambiente e à qualidade de vida que todos têm e que incumbe ao Estado promover e salvaguardar [artigos 9º d) Constituição, doravante CRP], nomeadamente, ordenando e promovendo o ordenamento do território e promovendo, “em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico” [nº 2 b) e c)]. Assim, o direito ao ambiente consiste na “pretensão de cada pessoa a não ter afectado hoje, já o ambiente em que vive e em, para tanto, obter os indispensáveis meios de garantia” (cfr. Jorge Miranda em “Manual de Direito Constitucional”). Desta forma, o facto de ter ou não cuidados ambientes, designadamente quanto à reciclagem, não prejudica o direito ao ambiente que a todos pertence, sendo que a ele vem associado o direito de impugnar contenciosamente decisões administrativas que provoquem a degradação do ambiente (artigo 268º, nº4 da CRP). O mesmo se diga relativamente ao direito à qualidade de vida, também de todos e que o Estado terá de proteger ou, pelo menos, abster-se de actuações que o possam afectar (também estabelecido na CRP, no mesmo artigo nº. 66º). Parece-me, assim, que o direito à qualidade de vida não se pode reduzir a uma “voltinha ao centro comercial ao domingo à tarde”. Tenha-se em conta os incómodos que a existência do dito centro comercial poderá trazer para os moradores vizinhos, nomeadamente, no que diz respeito ao aumento do trânsito, da poluição e da afluência de pessoas.

Os planos directores municipais, como já referi, visam preservar o equilíbrio ambiental, a humanização das cidades e a funcionalidade dos espaços edificados, procurando ainda promover a qualidade de vida dos cidadãos. Como tal, estão em causa direitos dos munícipes que não podem ser violados sempre que se entender construir um centro comercial, nomeadamente pondo em causa as normas regulamentares aplicáveis nem direitos fundamentais, como o direito ao ambiente e à qualidade de vida.

Concluíndo a minha apresentação, deixo-a ao vosso apreço.

Sem comentários: