terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Contencioso administrativo – Intervenção do Ministério Público - Turma 2

Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa
Processo n.º 225345/07
Exmos. Senhores Juízes de Direito,
Intentada a providência cautelar de suspensão de eficácia da licença concedida pela Câmara Municipal de Lisboa ao Senhor António Vistas Largas e Interposta a respectiva Acção Administrativa Especial de impugnação do mesmo acto administrativo, junto do douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, sendo partes no Processo, enquanto autor, o Senhor António Dias dos Santos e, enquanto entidade demandada o Município de Lisboa, vem o Ministério Público, nos termos do nº 1, do art.º 219º, da Constituição da República Portuguesa e ao abrigo do disposto nos artigos 51º, do ETAF e n.º 2, dos artigos 9º e 85.º do CPTA, considerando útil e necessária a sua intervenção, junto deste douto tribunal, pronunciar-se sobre o mérito da causa.
Pronúncia
O Ministério Público considera ser primeiramente necessária a análise dos factos, articulados na Petição Inicial, relativos à licença de construção, nomeadamente, a negação de consulta da mesma, pelo órgão da Entidade demandada, ao Autor, e a regularidade da mesma licença.
Quanto ao primeiro dos temas (a negação de consulta da licença ao Autor) remetemos para o que no “site” da Câmara Municipal de Lisboa, se diz sobre a consulta de documentos: “Qualquer pessoa pode solicitar a consulta ou reprodução de documentos, não sendo necessário ser exclusivamente o proprietário do imóvel.Para tal basta preencher um requerimento e exibir o bilhete de identidade ou reconhecer a assinatura do requerente. O requerimento encontra-se disponível nos balcões de atendimento municipal, ou pode elaborá-lo de acordo com art.º n.º 74.º do Código do Procedimento Administrativo e enviá-lo via e-mail para um dos balcões de atendimento municipal, pode também fazer o download e entregá-lo pessoalmente num dos balcões de atendimento.”
Consideramos ser ainda importante referir a Teoria da Multilateralidade dos Actos Administrativos, cuja origem remonta à história do “ Pescador de Chalupa ”, que veio dar origem à Teoria do Polígono. Esta última teoria é refutada por Vasco Pereira da Silva, que vem defender a Multilateralidade uma vez que, no caso da Teoria do Polígono, como se extrai da própria figura geométrica, não é possível inserir nesta figura todos os possíveis agentes compreendidos na relação, o que vem justificar a designação de Multilateralidade.
Na esteira desta doutrina vem-se a permitir que qualquer sujeito que esteja a ser lesado possa reagir contra essa lesão. A própria história do “ Pescador de Chalupa ” justifica e explica de forma concisa esta questão, por esta teoria o pescador, que estaria a ser lesado pela fábrica, que poluía o rio em que pescava, não só poderia reagir contra esta, mas também todos aqueles que estivessem a ser lesados pela conduta desta.
Consideramos, a propósito, ser importante referir a Teoria da Multilateralidade dos Actos Administrativos, cuja origem remonta à história do “ Pescador de Chalupa ”, que veio dar origem à Teoria do Polígono. Esta última teoria é refutada por Vasco Pereira da Silva, que vem defender a Multilateralidade uma vez que, no caso da Teoria do Polígono, como se extrai da própria figura geométrica, não é possível inserir nesta figura todos os possíveis agentes compreendidos na relação, o que vem justificar a designação de Multilateralidade.
Na esteira desta doutrina vem-se a permitir que qualquer sujeito que esteja a ser lesado possa reagir contra essa lesão. A própria história do “ Pescador de Chalupa ” justifica e explica de forma concisa esta questão, por esta teoria o pescador, que estaria a ser lesado pela fábrica, que poluía o rio em que pescava, não só poderia reagir contra esta, mas também todos aqueles que estivessem a ser lesados pela conduta desta.
Ao que vem dito julgamos ser pertinente acrescentar o que defende o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, nos seus estudos intitulados “Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, relativamente à audição dos particulares interessados o âmbito do procedimento administrativo. O douto Professor, vem afirmar que “no direito português, a não audição de um particular interessado, para além de se poder configurar como uma ilegalidade de ordem formal, geradora do vicio de procedimento de um acto administrativo, «poderia igualmente implicar uma ilegalidade material desse mesmo acto, por ter sido praticado sem a correcta ponderação de todos os interesses envolvidos, o que originaria o “vicio de violação da lei”, por violação do principio constitucional da “protecção dos interesses e direitos legalmente protegidos”, (vide art.º 266, n.º1 C.R.P e art.º 4 C.P.A.). Assim, na esteira dos ensinamentos referidos, gerando tal facto, para além de omissão formal, ainda uma omissão/ilegalidade material, gerando invalidade do acto na forma da nulidade do mesmo.
Do que se transcreve, parece resultar clara a possibilidade de acesso à licença por parte do Autor, pelo que a consulta da mesma lhe deveria ter sido facultada pela entidade Camarária competente. Remetemos assim ao douto tribunal a avaliação de possíveis consequências que resultem da negação da consulta.
Relativamente à regularidade da licença, consideramos ser necessário analisar uma pluralidade de requisitos legais, atinentes, nomeadamente às entidades competentes para o licenciamento da obra, restrições à construção na zona onde se situa a obra – Alcântara – por ser necessário atender às classificações feitas do PDM, etc.
Da análise feita do ponto vertente temos que a zona de Alcântara está sujeita a várias classificações no PDM, a saber: quanto às classes de espaço urbano: área consolidada de edifícios de utilização colectiva habitacional, área consolidada industrial, área de reconversão urbanística mista; quanto à unidade operativa de planeamento: Alcântara/Rio e Alcântara Belém; verifica-se ainda a existência em Alcântara de uma zona de protecção do IPPAR, uma zona sob influência da Administração do Porto de Lisboa e outra classificada como sob influência da Junta Autónoma de Estradas.
As classificações supra referidas influem o procedimento de licenciamento da obra, pelo que devem ser atendidas no momento útil. Nada sendo dito sobre a localização exacta da obra, o Ministério Público não considera pertinente, por falta de dados, aventar uma solução para este tópico, porquanto remete para o douto Tribunal a apreciação do mesmo, nomeadamente pela apreciação de prova.
O Ministério Público considera assim justificado, no âmbito da competência instrutória que lhe assiste, consagrada no art. art. 85, n.º2 do C.P.T.A., solicitar a apensão aos autos do Procedimento Administrativo e a indicação da morada da obra em execução, elementos essenciais para a determinação das entidades, não camarárias, competentes para o licenciamento da referida obra e cuja intervenção é necessária para a regularidade do processo de licenciamento.
O Ministério Público considera, ademais, relevante a análise dos alegados (na Petição Inicial) “graves perigos” resultantes da construção da obra em causa.
Relativamente a este argumento apresentado pelo Autor, o Ministério Público, considera necessária a peritagem da obra, no sentido de se aferir quais os perigos que podem dela resultar, sua natureza e perigosidade. Assim, no âmbito da competência que lhe é reconhecida pelo art. 85, n.º2 do C.P.T.A., solicita a realização de diligências instrutórias, conducentes à certeza dos factos, nomeadamente a fiscalização da obra por entidades competentes.
Propomos agora olhar à argumentação do Autor, atinente às limitações de altura que, de acordo com o invocado na Petição Inicial, oneram a construção do edifício, estendendo a nossa análise aos pontos que julguemos pertinentes no âmbito desta Pronúncia.
Na análise deste ponto é, uma vez mais, essencial atendermos às classificações urbanísticas, feitas em PDM, que respeitam à zona de Alcântara, referindo-nos às várias classificações aí previstas para a zona em causa, dada a não indicação, na Petição Inicial, da localização exacta do empreendimento (como supra sublinhámos).
Assim, no que concerne à Área Consolidada de Edifícios de Utilização Colectiva Habitacional, temos que, de acordo com o disposto no art.º 49 e ss. do PDM: a construção nesta zona pode ter apenas por destino o uso habitacional, à excepção do piso térreo, que pode ser afecto ao sector terciário, e salva a possibilidade de autorização camarária no sentido de afectar a construção ao sector terciário. Referimos ainda, e dado que em Alcântara existe uma zona sob jurisdição do IPPAR, a necessidade de parecer prévio deste instituto autorizando a mudança de afectação do edifício.
De acordo com o disposto no artigo 50º, nas áreas supra identificadas a construção de edifícios está ainda sujeita aos seguintes condicionamentos: a cércia (dimensão vertical da construção, contada a partir do ponto da cota média do terreno no alinhamento da fachada até à linha superior do beirado ou platibanda ou guarda do terreno), não pode exceder em caso algum 25 metros (como postula a alínea b) do nº1 do artigo 50º). Nas restantes alíneas do referido preceito são indicados outros condicionamentos de índole técnica que devem igualmente ser atendidos na apreciação do caso vertente pelo douto tribunal. Assim o Ministério Público, numa análise “prima faciae”, considera ser procedente o argumento apresentado pelo Autor na Petição Inicial atinente à altura do referido edifício.
Analisando agora o previsto no PDM para as Áreas Consolidadas de Edifícios de Utilização Colectiva Mista, o Ministério Público considera importante salientar os seguintes pontos: a localização de edifícios afectos ao sector terciário ou indústria “compatível em novos edifícios, é condicionada à satisfação dos seguintes requisitos: É possível a construção de edifícios mistos de habitação e terciário ou exclusivamente para terciário, quando e onde os arruamentos tenham largura igual ou superior a 20 metros, 4 vias de tráfego e largura mínima de rodagem de 12 metros” (ressalvado o disposto na al.d) do artigo 60 do PDM que vimos citando); a superfície total do pavimento afecta ao sector terciário ou indústria não pode exceder os 50%; as novas construções destinadas exclusivamente ao comércio e serviços não podem ter cércea superior a 15 metros. Também para este tipo de áreas, em caso de modificação do uso, é necessário, quando os edifícios estejam sujeitos a jurisdição do IPAAR, (o que como já vimos pode acontecer na zona de Alcântara), o parecer prévio deste instituto.
Da análise que vem sendo feita das Áreas Consolidadas de Edifícios de Utilização Colectiva Mista, temos que, a construção do edifício em causa, respeitando as disposições constantes no PDM, não poderia exceder, a altura de 15 metros e teria de respeitar as percentagens de afectação ao uso habitacional e de comércio.
Por último, referimos o regime das Áreas Consolidadas Industriais, outra classificação possível para a zona de Alcântara, com sede nos artigos 64º e ss. do PDM, resultam limitações de vária ordem. O Ministério Público não se alongará, contudo, na análise deste ponto, remetendo para o Tribunal a análise do mesmo, caso entenda pertinente, face aos factos carreados a este processo.
Analisadas as questões levantadas na Petição Inicial, respeitantes à licença de obra emitida e volumetria do edifício e expostas as considerações do Ministério Público relativamente a estes temas submetemos ao douto Tribunal a apreciação da legalidade das mesmas.
Analisaremos seguidamente as restantes questões levantadas na Petição Inicial e Providência Cautelar, a saber: a análise da prejudicialidade da obra aos direitos fundamentais dos moradores, invocados naquelas peças processuais: direito à Integridade Pessoal (art.º 25 C.R.P.), direito à Segurança (art.º27 C.R.P.), direito ao ambiente e qualidade de vida (art.º 66 C.R.P.), direito à Iniciativa Privada, Cooperativa e Autogestionária (art.º 61, n.º1 C.R.P.) e o Direito ao Sossego, invocado na Providência Cautelar.
Os direitos ou interesses legalmente protegidos, que são alegadamente postos em causa constituem emanação do direito de personalidade, que é um direito fundamental.Os direitos de personalidade são direitos absolutos, prevalecendo, por serem de espécie dominante, sobre os demais direitos, em caso de conflito, mesmo (como é ponderado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 04/10/2007) sobre o direito de propriedade.
A doutrina diverge quanto à qualificação do Direito ao Ambiente como Direito Fundamental, ou, meramente um princípio orientador do ordenamento, que tem como finalidade a defesa de um bem ou de um interesse colectivo. O Professor Vasco Pereira da Silva conclui nos seus estudos que o Direito ao Ambiente está tratado de forma líquida na Lei Fundamental, tendo contudo este regime de ser concretizado por via legislativa e de concretização jurisprudencial, coincidentemente com o que diz Baño Leon. O Ministério Público julga ser ainda de referir o facto de o direito ao ambiente “não ser um direito directamente invocável pelos cidadãos tal como decorre da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.
Com base nos factos descritos na Petição Iniciale no seguimento da análise feita dos mesmos, parece-nos não se dar como provada qualquer violação aos Direitos Fundamentais em questão com a construção da obra, remete-se ao douto Tribunal a aferição de tais violações dos direitos fundamentais em causa, pela apreciação de prova que seja carreada ao processo.


Apresenta como testemunhas todas as indicadas quer pelo Autor quer pela Ré;


Requer a realização de prova pericial no sentido de se aferir quais os perigos que podem dela resultar da obra em crise no presente processo, sua natureza e perigosidade. No âmbito competência que lhe é reconhecida pelo art. 85, n.º2 do C.P.T.A.


Os Procuradores da República às 20:05, do dia 11 de Dezembro de 2007


Filipa Pereira da Cruz

Fernando Costal Carinhas

José Luis Pinto de Mesquita

Vasco Neves e Castro

Paulo Teixeira Pinto

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